O búzio da minha infância

O búzio da minha infância
Jaz no tempo
O silêncio que me escuto

Ó búzio da minha infância
És som que ecoa em mim
És praia de solidão
És grãos de areia finos
És memórias que me assaltam

Tinha que te escrever
Silêncio da minha infância
Que em eco te ouço
Silêncio sem ruído
Deleite e pompa
Que passadas sinto
Em brancos véus
Em sedas translúcidas
Que se envolvem e afagam
No corpo da minha infância

Ensinam-nos que búzio é mar
Diria que búzio somos nós
O soar entorpecido
Confunde-se no ar
Entranha-se no ser

Perde-te
Encontra-te
Nos búzios
Nos sons
Na alvorada que se anuncia
Na noite que esmorece
Na alma que se aquece
No arrepio distante
No amor que já não é
No sonho que se dilui
No búzio da minha infância

Deixas-te eco do nada
De mim
No tempo perdido que entre os ventos pousa
Nas flores que se despertam
Nos lírios que se murmuram
Nas rosas que nunca me deste
No lugar onde tudo nasce e morre
No lago que já foi tudo
E, hoje é nada

Ó búzio da minha infância
Como te olho
No rosa pálido e pérola
Porque te perdeste?
Porque me perdes?
Nas cores que me deixaste
Nas dores do ventre
Na volúpia do sonho
Na penumbra de um manto branco
Porque te escrevo?

Ó búzio da minha infância
Porque de novo vieste?
Neste rio que desagua
Num mar turvo vazio
Deixaste-me o sonho morto
De me ouvir, sem ti!

                                                                                                                                                                                                Janeiro de 2015

Anterior
Anterior

Realidade

Próximo
Próximo

Ode a Álvaro Cunhal